Dr. Pérsio de Deus
O Ser Humano e o Lazer
Quando nos propusemos a escrever este texto, não fazíamos idéia que lazer nos daria tanto trabalho.
A dificuldade se apresentou pela relativa escassez de textos que abordassem o assunto dentro da perspectiva que nos propusemos. Existem diversos autores que abordam o tema do Lazer, desde os clássicos como Dumadezier, Keynes, Marx, Magalhães, Rolim, Robert Lee entre outros; mas nenhum deles sob a ótica cristã.
Diversos autores como os de orientação socialista guiados pelo pensamento Marxista ou aqueles que não entenderam o que Max Weber escreveu em “ A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo “ atribuem equivocadamente ao protestantismo a importância exagerada ao trabalho, na seguinte seqüencia: trabalho gerando produtos, gerando consumo, gerando riquezas. O acúmulo de bens materiais passa a ser sinal de bênçãos divinas; sem haver portanto lugar para o lazer.
Pretendemos abordar o lazer quanto a seu sentido e importância, mormente nos dias atuais. Fazendo parte deste tema, surge com muita relevância e preocupação o “anti-lazer”: atividades apresentadas como formas de lazer mas que não preenchem os requisitos para serem consideradas formas de lazer.
Colocaremos ainda a contribuição oferecida pelo cristianismo e pela reforma protestante que oferecem a opção ao ser humano de um lazer ético e saudável.
Palavras chaves : Lazer, Ética, Lazer sob a ótica cristã
Dr.Pérsio de Deus : médico formado pela UNIFESP com especialização em Psiquiatria . Pós Graduação em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pesquisador do CNPQ e do MackPesquisas, Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie até 2013, Medico do Serviço Médico do Mackenzie
ABSTRACT
When we set out to write this text, we had no idea that leisure would give us much trouble.
The difficulty presented by the relative scarcity of texts that addressed the issue from the perspective that we set. There are several authors who address the theme of leisure, from classics like Dumadezier Keynes, Marx, Magellan, Rolim, Robert Lee and others, but none of them in the Christian perspective.
Several authors, like those with a socialist or Marxist thought led by those who did not understand what Max Weber wrote in “The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism” mistakenly attribute the exaggerated importance of Protestantism to work in the following sequence: generating work products, generating consumption, creating wealth. The accumulation of material goods becomes a sign of divine blessings, so there is no place for leisure.
We intend to address the leisure and the meaning and importance, especially nowadays. As part of this theme, comes with a lot of relevance and concern about the “anti-leisure” activities presented as forms of recreation that do not meet the requirements to be considered forms of recreation.
Also place the contribution made by Christianity and the Protestant Reformation that offer the option to humans of a leisure ethic and healthy.
Key Words : Leisure, Ethics, Leisure upon Christian perspective
INDICE
1. Definição de lazer ………………………………………………. 4
2. A importância do lazer ……………………………………………..6
3. O Cristianismo , a Reforma Protestante e o Lazer …….11
4. O Lazer após a revolução industrial …………………………17
5. O Sentido do Lazer ………………………………………………….22
5.a O Anti-Lazer ………………………………………………………….23
5.b Modalidades de Lazer ……………………………………………24
6. Considerações finais ………………………………………………35
7. Bibliografia ……………………………………………………………37
1. Definição de Lazer
Todos temos uma idéia ou conceito de lazer circunscrita pela cultura, tempo histórico, origem étnica e religiosa; mas há a necessidade da aproximação de uma definição ou conceito sobre lazer. Esta não é uma tarefa tão fácil, pois depende do instrumento ou ponto de vista de cada área do conhecimento humano que se toma como referência como a filosofia,história, sociologia, religião.
Etimologicamente a palavra lazer vem do verbo latino libere que quer dizer lícito, legítimo, correto. Também desse verbo latino vem os vocábulos correspondentes me francês loisir e em inglês leisure.
Nos dicionários a legitimidade ou licitude do lazer está implícita em suas definições : folga, descanso, vagar, passatempo, diversão, recreação , tempo disponível ( AURÉLIO, 2004).
Magalhães atribui a Cícero a seguinte frase : “Laser com dignidade, no sentido de que todo o homem depois de uma vida de duro de trabalho tem direito a um honrado repouso , ou ao que depois viria a se chamar aposentadoria . (MAGALHÃES, 1959 .)
Um aspecto muito interessante é a consideração do termo lazer dentro de um contexto de tempo ligado ao trabalho, ou seja, lazer pode ser definido como o tempo disponível antes ou depois do trabalho , isto compreendido o período não ocupado no cumprimento das obrigações ou deveres habituais. Este período não ocupado compreende o sono e qualquer outra atividade livre.
Uma das maiores autoridades no assunto é o sociólogo francês JOFFRE DUMADEZIER, que adota como instrumento a sociologia e indica quatro aspectos relacionados ao lazer : econômico, sociológico, psicológico e psicossociológico. É dele a seguinte definição ( DUMADEZIER J ,1974 )
“Lazer é um conjunto de ocupações as quais o
Indivíduo pode entregar-se de livre vontade,
Seja para repousar, seja para divertir-se,
Recrear-se, entreter-se, ou ainda para desenvolver
Sua formação ou informação desinteressada, sua
Participação social voluntária ou sua livre capacidade
Criadora, após libertar-se ou desembaraçar-se das
Obrigações profissionais, familiares e sociais”
Dumadezier ( apud ROLIM,1989 ) refere que se considerado sob a ótica econômica, o lazer se coloca em oposição ao trabalho, pois enquanto este é útil, produz ganho e renda e principalmente lucro; o lazer por ser um tempo de “ não trabalho “ é vazio. Pensadores como Keynes e Marx aderem a esta posição. Sociologicamente, o autor considera que o tempo livre do lazer pode ser ocupado com atividades sociopolíticas ou religiosas, que apesar de serem propostas ou mesmo impostas pelas organizações sociais, podem ser aceitas de bom grado e vividas com prazer. Como exemplo a participação de um culto religioso no qual o fiel ao participar pode se sentir feliz, em paz, alegre e mais aliviado. Enquanto consideração psicológica , o autor considera lazer como ‘ um estilo de comportamento” – um disposição interior em levar até as atividades mais responsáveis de maneira leve e prazerosa. Na conceituação psicossociológica, o autor francês apresenta o lazer “ como um tempo livre empregado na realização da pessoa como um fim em si mesma”.
O Lazer teria portanto as funções de promover o descanso, o divertimento e o desenvolvimento pessoal.
Na opinião de Rolim ( ROLIM ,1989) a vida humana está dividida em quatro períodos de tempo livre:
- No fim do dia
- No fim de semana
- No fim do ano, férias
- No fim da vida – a aposentadoria
Segundo a autora, nesses períodos de tempo livre o indivíduo pode realizar-se através de atividades físicas, práticas, artísticas, intelectuais, sociais e espirituais que venham de encontro às necessidades individuais.
Devemos fazer uma consideração importante: não adianta acumular um grande período de trabalho, ou muitas horas de trabalho de forma intensa e querer recuperar no final de semana esse cansaço “ descansando “. O stress é cumulativo, portanto esta ordem colocada acima por Rolim deveria ser seguida como está: descanso ou lazer em todo final de dia, em todo final de semana, em todo final de ano ou período de trabalho , para poder-se chegar ao período de aposentadoria em condições de gozá-la plenamente.
Robert Lee, escrevendo sob uma perspectiva cristã sobre o lazer ( RYKEN, 1987 ) acrescenta:
Lazer é um tempo de crescimento do espírito humano
Lazer promove a ocasião para o aprendizado e a liberdade
para o crescimento da expressão, para o descanso e
recuperação, para o redescobrimento da vida por inteiro
2 . A importância do lazer
Nos tempos atuais, os estudos sobre a importância do lazer estão ganhando respaldo não somente nas posições propostas dos sociólogos da era pós industrial, mas também em estudos nas áreas de conhecimento da antropologia, história, psicologia e inclusive das neurociências.
A compreensão e estudos sobre os conceitos e importância do lazer ainda carecem de aprofundamento nas diversas áreas do saber, pois ao longo da história humana tem sido encarado de maneira contraditória: na maioria das vezes representado como um tempo livre, ou então representado como um tempo vazio de ócio que pode ser perigoso e deve ser evitado ( ETHEL ,1971 )
Para termos uma noção da importância do lazer, teríamos que tentar verificar se é um fato universal e sua evolução enquanto comportamento ao longo da história humana ( pois fazer um corte transversal do momento atual traria imprecisões e distorções inaceitáveis ao processo científico ).
Isto nos coloca um desafio que provavelmente será desenvolvido com maior estudo do tema, pois existe uma carência de estudos neste sentido.
Alguns autores ( CELSO , 1995 ) consideram que em tempos remotos da humanidade as atividades do ser humano se resumiam à luta pela vida : enfrentar feras, intempéries e catástrofes naturais, conseguir alimento . Quem comandava a existência eram as funções instintivas, e a idéia de lazer estava fora de cogitação.
Discordamos do pensamento de autores como Leite, pois temos evidências que o lazer já estava presente inclusive no homem primitivo, sendo portanto universal; sofrendo naturalmente influência de variáveis como contexto cultural, etnias, tempo histórico e fatores de ordem religiosa. Mesmo os animais como os primatas que são guiados por funções instintivas em termos comportamentais, já que seu córtex racional é bastante rudimentar, apresentam inúmeras atividades lúdicas .
Segundo a opinião do pesquisador Eduardo Ottoni do Instituto de Psicologia da USP (Revista Eletrônica de Jornalismo Científico,2009 ) as brincadeiras entre os macacos-prego são muito freqüentes. Estes macacos em geral possuem uma infância longa. Um dos fatores que contribui para o aprendizado é a brincadeira. “Elas são uma forma de explorar o mundo e seu meio social de uma maneira não perigosa. Aprender sobre os objetos e o mundo físico”, afirma o pesquisador, citando os esconde-esconde e pega-pega como treinos seguros de caça e fuga, as lutas em que ninguém se machuca. “Além disto, acima de tudo, há o prazer, pois é uma atividade gratificante e reforçadora em si mesma”, completa.
O homem primitivo gravava no interior das cavernas cenas de seu cotidiano, e isto não era uma luta pela vida, mas uma manifestação artística compreendida dentro do contexto de lazer.
Encontramos outras formas de lazer no homem primitivo nas atividades religiosas. Durkheim em seu livro “ Formas elementares da vida religiosa” buscando compreender o fenômeno religioso, valeu-se de formas primitivas de vida social estudando aborígenes australianos. O culto totêmico é assim descrito por Durkheim (DURKHEIM,1966):
…celebra-se em meio a cantos, danças, representações dramáticas.
Cantos, danças e representações dramáticas são manifestações artísticas ligadas ao sagrado; mas não são trabalho e podem ser entendidas dentro de um conceito catártico[1] de atividades lúdicas. Não somente o canto e as danças nascem do sagrado, mas a própria arte e o lazer.
Se recorrermos ao historiador e mitólogo Mircea Eliade (ELIADE,1969), fica claro que o homem primitivo não tinha noção do determinismo histórico, e vivia num constante movimento de eterna repetição de modelos ou arquétipos. Um dos pontos importantes no sentido de lazer vai ser encontrado nos rituais da Renovação do Tempo. No período que antecedia o Ano Novo, várias cerimônias e festas eram realizadas: os rituais que precediam o Ano Novo e os que se lhe seguiam.
Em nosso país, temos diversos estudiosos que se envolveram com o estudo de nossos índios; alguns deles ainda mantendo ou resgatando antigos modos e costumes da cultura indígena. Assim se referem Pinto e Grande no livro “ Brincar, Jogar, Viver” ( Pinto LMS, Grande B S,2009 ) sobre atividades de esportes e lazer entre diversas nações indígenas de nosso país:
Os povos indígenas do Brasil vivem competindo pela sobrevivência com os animais,pássaros e peixes, andando e percorrendo grandes distâncias nas matas e nos rios em busca de alimento, sempre mantendo uma íntima relação com os elementos da natureza.
Quando um indígena nasce, dá seu primeiro mergulho no rio ou no lago. Depois, passa por várias etapas de iniciação até chegar à fase adulta, obedecendo aos ritos culturais de sua etnia. As manifestações culturais e práticas corporais sempre estarão ligadas aos elementos que compõem a ordem natural da sustentabilidade em seu ecossistema.
O lançar da flecha certeira no Hipipi, o mergulho corporal no jogo do Jikunahati, o ajoelhar da disputa no Huka Huka, o cortar, carregar e correr com o tronco do buriti do Wuiede, o bater das bordunas no Ronkrãn, o emitir dos sons das taquaras para o ritual
do Kohixoti Kypahi, os movimentos e gestos corporais do Kuarup, compõem uma rica diversidade ritualística, que pode ser caracterizada como esporte e prática cultural.Dentre as práticas corporais tradicionais demonstradas, destacam-se as lutas corporais, atividades que são essenciais para a “fabricação do corpo” (VIVEIROS DE CASTRO,1987) e, por conseguinte, da identidade da pessoa indígena. A Uka-Uka é praticada pelos povos habitantes do Parque Nacional do Xingu e pelos Bakairi de Mato Grosso. O Iwo,pelos Xavante que estão espalhados por todo o Estado do Mato Grosso. O Idjassú é característico do povo Karajá da Ilha do Bananal e a Aipenkuit é exercitada entre os homens do povo Gavião Kyikatejê do Estado do Pará. Cada qual possui suas peculiaridades; entretanto, de modo geral, têm como função preparar o indígena para combates que exigem maior capacidade de destreza e força física. Essas práticas corporais consistem basicamente em uma disputa entre dois lutadores que têm como objetivo desequilibrar e derrubar o oponente encostando suas costas no solo. Apesar de requerer um vigor físico, não se percebeu qualquer tipo de violência entre seus adeptos.
Tihimore é um jogo de arremesso com bola de marmelo praticado pelas mulheres do Povo Paresi Haliti, estado do Mato Grosso, bem como o Xikunahaty, conhecido futebol de cabeça jogado pelos homens dessa etnia. Nesse jogo, o objetivo é passar a bola para o campo adversário em uma tentativa, usando apenas a cabeça, marcando ponto. O Katukaywa é uma prática corporal similar ao jogo de futebol, porém só é permitido, com o joelho, o contato intencional com a bola. Este jogo é praticado pelos indígenas habitantes do Parque Nacional do Xingu, estado do Mato Grosso, que nessa edição foram representados pela etnia Kuikuro. Jãmparti (Iãmparti) é uma corrida de tora que possui mais de 100 quilos, é comprida e carregada por dois atletas. Esporte tradicional realizado pelo povo Gavião Kyikatêjê-PA, tal como o Kaipy (Kaipâ), exercício com arco e flecha, praticado pelo mesmo povo.
A “peteca”, brinquedo que está presente em diversas culturas indígenas, foi apresentada em um jogo, do qual participaram além de indígenas de grande parte das etnias, voluntários, organizadores e o público. Após ser lançada para o alto, todos deveriam se empenhar para não deixar a peteca cair no solo. Aquele que o grupo identificar como responsável por esse fato sofre um tipo de punição que consiste em todos os participantes desferirem leves sopapos em quem cometeu o erro. Ressalta-se que a corrida de toras varia muito de uma sociedade para outra. Os Gavião Kyikatejê do Pará, antes de iniciarem a corrida (denominada Jãmparti), colocam duas toras de aproximadamente 3 metros de altura, apoiadas na areia sobre extremidade de diâmetro maior, ornamentada com algodão, visto que essa tora apresenta uma diferença de diâmetro entre as extremidades. Os corredores, de mãos dadas, se posicionam ao redor das toras cantando e dançando, como preparação para atividade. Entre os Gavião, as toras são erguidas com a ajuda de todos os participantes e
conduzidas por dois indígenas de cada vez, que as carregam nos ombros com a extremidade de maior diâmetro à frente. Para a passagem da tora a outra dupla, há uma pequena pausa até que esteja segura por outros dois índios.
Os Kanela, tanto homens quanto mulheres, correm com toras de aproximadamente 1 metro de comprimento por 30 centímetros de diâmetro. A tora é conduzida individualmente com grande velocidade, com acompanhamento de outros indígenas, que auxiliam o corredor equilibrando-a. A passagem é dinâmica, e o condutor da tora realiza um giro colocando-a sobre o ombro do companheiro.
3. O Cristianismo, a Reforma Protestante e o Lazer
Na Bíblia encontramos a primeira recomendação de um tempo de descanso do trabalho ( uma das definições e conceitos de lazer ) registrados em Genesis capítulo 2 versos 1-2 :
Assim pois foram acabados os céus e a terra, e todo o seu exército. E havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera,. descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito .
Após um período de trabalho, um período de descanso. Quando se pensa em lazer, se pensa automaticamente em festas. Ainda na Bíblia podem ser encontradas recomendações divinas ao povo de Israel através da palavra de Moisés quanto às festas ( Lev 23; 2-44 ) :
Disse o Senhor a Moisés:
” Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: As festas do Senhor que proclamareis por santa convocação são estas:o sábado, a páscoa,as primícias, o pentecoste,o dia da expiação, a festa dos tabernáculos.”
As instruções para a realização das festas eram claramente determinadas, e pode-se depreender a importância delas na história do povo de Israel. Como exemplo, algumas instruções registradas em levíticos 23:39-40 :
porém aos quinze dias do sétimo mês , quando tiverdes recolhido os produtos da terra, celebrareis a festa do Senhor durante sete dias; o primeiro dia é o dia de descanso, e também o oitavo dia é o dia de descanso.. no primeiro dia tomareis para vós frutos de árvores formosas, folhas de palmeiras, e ramos de árvores cheia de folhas, e durante sete dias vos alegrareis perante o Senhor vosso Deus.
No salmo 149 está registrado :
louvai ao Senhor . Cantai ao Senhor um cântico novo, e o seu louvor na assembléia dos santos. Alegre-se Israel naquele que o fez, regozigem-se filhos de Sião no seu Rei. Louvem o seu nome com danças, e lhe cantem louvores com adufe e harpa”.
O primeiro milagre de Jesus – transformar água em vinho, se realizou em uma festa de casamento ( João 2 2-11 ) – que não era uma das festas religiosas recomendadas divinamente ao povo de Israel, e Jesus participou dela.
Temos, portanto as recomendações bíblicas sobre o lazer na orientação ao descanso após um período de trabalho, o lazer recomendado através da celebração de festas religiosas , e o próprio Jesus Cristo realizando seu primeiro milagre e o início de seu ministério numa festa de casamento.
Rykel ( RYKEL,1987) comenta que Jesus achava tempo para descansar, como está registrado em Marcos- 6- 30:32
Voltaram os apóstolos à presença de Jesus e lhe relataram tudo quanto haviam feito e ensinado.
E ele lhes disse: Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto; porque eles não tinham tempo nem para comer, visto serem numerosos os que iam e vinham.
Então foram sós no barco para um lugar solitário
Ainda na opinião de Rykel ( RYKEL ,1987) Jesus traz grandes ensinamentos em seu famoso discurso sobre a ansiedade, registrado em Mateus 6-25:34
Considerai como crescem os lírios do campo: Eles não trabalham nem fiam.
Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão em toda sua glória se vestiu como qualquer deles
Na opinião do autor, Jesus faz uma advertência contra a preocupação humana excessiva com o lado utilitarista da vida. Quando Jesus usa a figura “ olhai os lírios do campo” , ele faz um convite à atitude contemplativa e de observação, como uma antítese à vida de trabalho excessivo. Ele ( Jesus ) nos chama a algo não produtivo, apela à qualidade de vida, à arte, aos prazeres advindos da beleza.
Em outras culturas não orientadas pelo eixo judaico-cristão, encontramos manifestações e importância quanto ao lazer.
Os gregos davam grande importância ao lazer, e o consideravam não somente dentro do conceito de tempo livre que podia ser ocupado por atividades meditativas e contemplativas – as explorações das idéias e as formulações filosóficas; mas criaram diversas atividades ligadas ao descanso no tempo livre como os jogos, a ginástica, esportes, as casas de banhos para relaxamento, as saunas, as massagens e diversas atividades que se ocupavam com os cuidados para com o corpo e a beleza. Criaram também, além da poesia, a ode e o Teatro. Há autores ( Leite, C.B , 1995 ) que referem que a vida de lazer era a única indicada para um grego – posto que o trabalho era realizado por escravos.
Os romanos seguiram vários costumes gregos, as saunas romanas ecoam até nossos dias, o circo romano onde eram apresentadas atividades de entretenimento à população romana livre. Sêneca ( LEITE, 1995 ) advertia que o lazer não consistia em um parasitismo inútil, mas o cessar as atividades envolvidas em um ganho material imediato permitia a meditação sobre interesses gerais e os destinos de Roma, devendo seu uso contemplativo concorrer para o bem comum. Autores como Torres ( Torres, J.C ,1968 ) fizeram diversas considerações sobre a sociedade romana, ponderando que enquanto a grande maioria da população trabalhava inclusive às custas de enorme número de escravos, as “ elites” alheias e despreocupadas dos problemas sociais e econômicos da maioria da população, governavam, legislavam, estudavam e principalmente se divertiam, diversões essas que chegaram ao exagero, daí inclusive as considerações de Sêneca citadas anteriormente.
Quando necessário por aumento da tensão social, os governantes ofereciam “pão e circo” à população : nascia o lazer como forma de manipulação social.
David Heaps em matéria publicada no Jornal do Brasil e, 20 de março de 1979 com o título “ O lazer da classe teórica” tece comparações entre o que ocorria em Roma com a elite dominante e como desfrutavam do lazer e o utilizavam como instrumento de manipulação da grande massa da população, e conclui que “ as coisas não mudaram muito neste aspecto nos tempos atuais”
Na civilização ocidental de orientação judaico-cristã, o lazer da população comum ou não pertencente à nobreza, ficava restrita às festas religiosas. Já na idade média, surgiram certos jogos ou atividades de lazer com intuito crítico e até hostil contra o poder e intransigência religiosa . Estes jogos que são a raiz da “ Fêtes de Fous” ( festa dos loucos ) eram realizadas nos próprios da Igreja e por ela controlados – como forma de desafogo da vida dura de trabalho : alguns consistiam num asno correr pelo recinto, levando à cabeça a tiara episcopal . Outras formas de sátiras protestavam contra a ditadura do clero e dos governantes que impunham impostos pesadíssimos para manter suas Igrejas e seus governos.
Já as elites, tanto as eclesiásticas como as da nobreza governante, mantiveram os padrões de lazer e luxúria da antiga Roma. Esta, entre outras, foi uma das razões que levaram religiosos como Calvino e Lutero a romperem com a Igreja Católica Romana e fazerem a Reforma Protestante; e através dela o retorno aos ideais cristãos: a prática do amor, da caridade, e a importância e suficiência das Sagradas Escrituras em contraposição à tradição. O culto reformado e seus templos despem-se da pompa e rigidez do culto católico -romano : são realizados na língua corrente ( não mais em latim ), são mais simples liturgicamente, a participação ativa dos fiéis é estimulada através da leitura da bíblia e da participação nos cânticos. Não somente a música tem um grande impulso com a Reforma Protestante, mas inclusive todas as demais áreas das artes e da ciência. A vida do cristão reformado deve ser pautada por um senso de equilíbrio, há recomendações sobre os excessos, de acordo com as recomendações bíblicas . Volta-se à prática de se ter um dia de descanso ou de não trabalho – no caso o domingo, que devia ser dedicado às práticas religiosas , espirituais e ao descanso.
Diversos autores, influenciados principalmente pelo trabalho do sociólogo alemão Max Weber “ A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo “ atribuem ao protestantismo a importância exagerada ao trabalho, na seguinte seqüencia: trabalho gerando produtos gerando consumo gerando riquezas. O acúmulo de bens materiais passa a ser sinal de bênçãos divinas ( ROLIM, 1989 ). Os autores que pensam desta forma tiveram um entendimento distorcido acerca do que Max Weber escreveu, e com certeza nunca leram nada a respeito da reforma protestante , principalmente as obras de Calvino e Lutero. Os reformadores davam importância ao trabalho, principalmente como forma de libertação de qualquer forma de opressão ou dominação da casta dominante – e desta forma realmente impulsionaram o nascimento da “burguesia”. A principal preocupação de Calvino e Lutero não era com o acumulo de riquezas materiais – atitude inclusive criticada por todos os reformados a partir de fundamentações bíblicas; a preocupação principal era com o interior do homem: sua redenção de uma vida coberta de erros e pecados para uma vida santificada e pura. A preocupação não era para com as riquezas exteriores, mas sim para com as riquezas interiores e a salvação da alma. Tal só poderia ser entendido se o povo pudesse ter acesso à leitura das sagradas escrituras , daí a grande preocupação com a educação do povo que vivia num estado de ignorância e analfabetismo , e o impulso ao desenvolvimento das ciências. Lutero criou um mote: “ em cada Igreja uma escola “ ; e nunca em cada igreja uma fábrica ou um comércio. Calvino funda em Genebra uma faculdade de Direito e uma de Medicina. O próprio Max Weber deixa esta questão extremamente clara em seu “ A Ética Protestante e o Espírito do capitalismo ” ( WEBER, 2005) :
Antes de tudo, é escusado lembrar que não tem cabimento atribuir
a Lutero parentesco íntimo como “ espírito capitalista” , seja no
sentido que até agora associamos a essa expressão ou do resto de
qualquer outro sentido. Os próprios círculos eclesiásticos que hoje
costumam com todo o zelo exaltar o “feito” da Reforma em geral
não são nada amigos do capitalismo, seja lá e, que sentido for.
Grifo nosso
A respeito do calvinismo assim, se refere Weber ( WEBER,2005 ):
Como associar essa tendência do indivíduo a se soltar dos laços
mais estreitos com o mundo que o abraça, à incontestável
superioridade do calvinismo na organização social: à primeira
vista parece um enigma. É que, por estranho que possa parecer de
início, tal superioridade é resultado daquela conotação específica de
que o “ amor ao próximo” cristão deve ter assumido sob pressão do
isolamento interior exercida pela fé calvinista. O mundo está destinado
a isto: a servir à autoglorificação de Deus; o cristão existe para isto;
para fazer crescer no mundo a glória de Deus, cumprindo de sua parte
os mandamentos Dele. Mas Deus quer do cristão uma obra social
porque quer que a conformação social da vida se faça conforme seus
mandamentos e seja endireitada de forma a corresponder a esse fim.
O trabalho social do calvinista no mundo é exclusivamente trabalho
In majorem Dei gloriam.Daí porque o trabalho numa profissão que
está a serviço da vida intramundana da coletividade também
apresenta esse fim.
Grifo nosso
A opinião de Gonçalves ( GONÇALVES ,2006 ) foi expressa em sua comunicação apresentada no II Congresso de Ética e Cidadania realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie:
a obra de Cristo é responsável pela reorganização moral e social da humanidade . Calvino denuncia o perigo espiritual das riquezas, recomenda a moderação e o dever à assistência social (dar esmolas). O que deve perdurar em qualquer transação econômica, deve ser, sempre: a honestidade, o amor, a moderação, a ética cristã e a caridade. Para ele o homem exerce sua plena humanidade quando trabalha. O dinheiro, a riqueza e os bens econômicos são colocados à disposição do ser humano para a organização de sua vida e da sociedade, o qual é solidariamente responsável. Calvino combatia a teologia medieval da opção pela pobreza no ascetismo monástico. Para ele a vida material está intrinsecamente ligada à vida espiritual. A formação humanista de Calvino, a sua piedade, erudição e experiência nas instituições que atuou foram determinantes para a implantação da Reforma. Ela mudou a atitude para com o dinheiro e a pobreza. A caridade é um dever, um privilégio recompensável, é uma responsabilidade social de todos. O conceito de Calvino sobre o uso social da riqueza deve nos atingir por inteiro, em todas as áreas da nossa vida, no âmbito espiritual e material.
4. O Lazer após a revolução industrial
É inegável que a revolução industrial trouxe as primeiras transformações significativas no binômio trabalho/lazer . Este binômio vem sofrendo alterações constantes até chegarmos ao momento atual – marcado pela economia de mercado onde o lazer se transforma em um produto a ser consumido . Na opinião de Marcelino ( MARCELINO , 2003 ) podem ser apreciados dois estágios quanto ao lazer, mas que na realidade se apresentam num “continuum” :
1. Na sociedade tradicionalmente rural , e mesmo nos setores urbanos pré-
industriais, não havia uma separação entre as várias esferas da vida do
homem. Os locais de trabalho ficavam próximos, quando não se
confundiam com a própria moradia, e a produção era ligada basicamente
ao núcleo familiar, obedecendo o ciclo natural do tempo. O trabalho era
freqüentemente interrompido para conversas, acompanhava o ritmo do
homem, e não raro era executado ao som de cantos. O binômio trabalho/
lazer não era caracterizado.
2. Na sociedade moderna, marcadamente urbana, a industrialização
acentuou a divisão social do trabalho, que se torna cada vez mais
especializado e fragmentado, obedecendo ao ritmo da máquina e a
um tempo mecânico, afastando os indivíduos nos grupos primários
e despersonalizando as relações. As pessoas passam a fazer parte
de grupos variados, sem ligações uns com os outros. Caracteriza-se
o binômio trabalho/lazer e as ações se desenvolvem como na gravação
de um filme, onde os “ atores” participam de cenas estanques, sem
conhecer a história de seus personagens, cenas essas freqüentemente
Interrompidas para serem retomadas em seqüências totalmente
diferenciadas.
Independente do momento histórico, desde o homem primitivo até o homem globalizado atual, sempre houve importância quanto ao lazer.
Organicamente, sob a ótica fisiológica, o repouso, descanso e o sono tem importância preponderante em termos da recuperação energética do organismo. Através de estudos das neurociências, sabe-se que alterações do sono – desde poucas horas de sono até má qualidade do sono produzem conseqüências como distúrbios depressivos, diminuição da capacidade cognitiva e inclusive agem como fatores predisponentes a quadros demenciais.- ( GUINDALINI C & alli,2009)
Sob o ponto de vista psíquico, o lazer apresenta papel extremamente relevante, principalmente se consideramos por um lado as necessidades lúdicas do lazer como forma de compensar tensões intra-psíquicas decorrentes da luta pela vida como frustrações, decepções, assédios, desrespeitos e tantas outras formas de opressão a que o ser humano está submetido. No lazer ligado aos jogos, aos esportes, ao sagrado, há uma projeção catártica destas tensões. Devemos ainda estar atentos às necessidades do cérebro, enquanto sede das funções psíquicas , no sentido de aliviar as áreas cerebrais responsáveis pelo processamento de informações lógicas – geralmente ligadas ao trabalho. Uma sobrecarga de informações processadas pelo hemisfério cerebral dominante pode comprometer o gerenciamento orgânico que outras áreas cerebrais processam: daí a necessidade do alívio destas áreas através das atividades de lazer que utilizem o hemisfério cerebral não dominante – não lógico, e portanto mais afeito às atividades sensíveis ou sensitivas : arte, meditação, atividades religiosas, exercícios físicos, “ jogar conversa fora” .
Como já citado anteriormente, segundo o competente autor no assunto, o sociólogo Dumazedier o lazer atende às necessidades humanas através de três necessidades ou funções básicas:
- Proporciona repouso
- Diversão
- Enriquecimento intelectual
Deve-se ainda considerar o lazer criativo ou segundo outros autores o “ ócio criativo” . É necessário um distanciamento das obrigações do dia a dia para que o “ instinto” criativo se manifeste.
Nos tempos atuais existe uma supervalorização do trabalho produtivo e uma enorme corrupção burocrática ( governamental e privada ) sustentando a produtividade. Mudanças cada vez mais aceleradas tentam pautar a vida humana pelo ritmo dos modernos meios de tecnologia de informação. Essa explosão de tecnologia trouxe como conseqüência o trabalho informal, e tanto no setor secundário como no terciário, não raro é realizado de forma insalubre: exposição à poluição sonora,ambiental, atmosférica, visual . Trouxe como decorrência também um aumento do tempo livre. Que fazer neste tempo livre? Como ocupá-lo com autonomia, desfrutando de um tempo livre saudável, posto que é em primeiro lugar um tempo de descanso?
Importante consideração sobre o tempo livre destinado ao lazer, e a situação de vazio interior que assola o homem atual foi feita por Erich Frömm. Segundo o conhecido e respeitado pensador, o homem atual vive uma crise de identidade sem precedentes, não sabendo quem é. Frömm coloca de forma clara a dificuldade do homem frente à conquista do tempo livre(FRÖMM ,1978 )
Reduzimos a média de horas de trabalho à metade do seu total de há
cem anos. Temos hoje mais tempo livre do que nossos ancentrais
poderiam sequer sonhar. Mas que aconteceu? Não sabemos como
utilizar-se tempo livre; tentamos matar o tempo que economizamos
no trabalho e ficamos contentes quando termina mais um dia.
Algumas atividades de lazer são atualmente tão desgastantes, que o indivíduo precisa de um outro tempo de descanso para se “ recuperar” ou “ descansar” do lazer. Alguns autores como Marcelino ( MARCELINO , 1987) consideram este fenômeno num conceito de anti-lazer.
O homem atual, do ponto de vista social, é um ser esvaziado de valor intrínseco; ele vale pelo que produz, não pelo que é, nem por seus valores ou convicções; ou então, vale por seu poder de consumo. Sem conseguir significado numa sociedade impessoal, volta-se à procura deste significado através da religião. Este homem esvaziado de valor perante a sociedade, posto que é mera engrenagem da cadeia produtiva e de consumo, encontra, nas novas comunidades religiosas que se formam, quem o acolha, quem o identifique como irmão, quem lhe dê importância e inclusive condições para resgatar sua identidade e significado existencial; deixa de ser anônimo e passa a ter importância para Deus e para a própria comunidade.
Este é um dos pontos importantes pelo qual Gomes (GOMES,2004) justifica o crescimento de comunidades cristãs alternativas, pentecostais e neopentecostais.
Dentro deste cenário é que vamos entender as influências que o sentimento religioso cristão exerce sobre o homem. Mais do que nunca, o homem atual necessita de religião. Assim se expressa Crespi ( CRESPI,1999) a este respeito:
O aumento da insegurança, engendrada pela queda de quase todas as certezas em que se baseavam as sociedades que nos precederam, pode provocar, de maneira reativa, o retorno às velhas formas de certeza fornecidas pelas crenças das religiões universais – cristianismo, islamismo, hinduísmo, budismo…
As considerações de Crespi e de outros autores que seguem a mesma linha de pensamento apontam para um “esvaziamento do eu”, o “ estar no mundo “ ao invés de “ ser no mundo” numa visão Heideggeriana, e como o existencialista alemão previu, o homem se deixa dirigir por aquilo que não é seu, afastando-se cada vez mais de si mesmo e de seu projeto pessoal de vida, a ponto de na crise da ruína ( ou crise existencial ) , olhar para o espelho e não saber mais quem é.
O que se presencia atualmente ( DEUS P, 2008 ) além do esvaziamento interior do ser humano, é um esvaziamento do Estado e o surgimento de outras formas de poder ou de relações de poder; o Estado se tornou o meio “oficial” do exercício do poder, mas não seu detentor. O que comanda o mundo atual são as relações com a ordem internacional, intermediadas não mais pelas noções de Estado, mas pela noção de mercado que são ditadas pelos grandes grupos econômicos internacionais.
O mundo atual transformou o homem num mero ser produtivo anônimo, desprovido de outras qualificações e até mesmo de identidade. Numa linguagem marxista, o homem se “coisificou” e se tornou mercadoria de troca no mercado de consumo. O entender marxista se faz por dois caminhos: a ideologia e a mercadoria. A ideologia está órfã no mundo contemporâneo: o que importa presentemente é o mercado, a mercadoria, e o usuário desta mercadoria, o consumidor. A luta de classes foi substituída pela luta dos grandes grupos empresariais pelo mercado de consumo: e neste contexto o lazer tem uma importância enquanto produto veiculado por grandes grupos econômicos que tem um “ mercado” ávido a consumi-lo.
5 . O sentido do lazer
Se definir lazer já não foi uma tarefa fácil, discorrer sobre seu sentido pode apresentar dificuldades maiores ainda. Inúmeras variáveis devem ser consideradas, principalmente fatores culturais, étnicos, religiosos, econômicos, tipos de personalidade, tempo histórico. Mas para não perdermos a direção enveredando por caminhos mais afeitos à nossa base científica, nos nortearemos pelas definições de lazer associando-as aos conceitos de ética.
Nas grandes metrópoles marcadas pela falta de tempo, a impessoalidade transforma as pessoas em solitárias anônimas. Os vínculos afetivos são geralmente marcados por interesses egoístas que tornam os relacionamentos descartáveis.
Parece haver uma contradição: num mundo marcado pela explosão de meios de comunicação encontrarmos o homem cada vez mais isolado. Na comunicação eletrônica existe grande troca de mensagens, mas não existe o calor do afago, do toque, da carícia .
Pode acontecer, por diversos motivos que algumas destas necessidades afetivas não tenham sido “saciadas” no tempo próprio do amadurecimento psicológico: o indivíduo então terá uma sensação de que lhe falta algo interiormente . Pode acontecer inclusive de ser muito rico materialmente, ser amadurecido intelectualmente, ter muitos “amigos”; mas conviver com uma sensação não muito bem definida de vazio.
A esta sensação chamamos de carência afetiva.
A carência afetiva pode ter muitas faces, pois estará ligada à função psicológica que não foi satisfeita; e nem sempre é percebida conscientemente como tal.
Existem diversas formas de tentar “resolver” as carências : os que a preenchem com trabalho e se tornam workhoolics; a busca por atividades artísticas; ações filantrópicas; o lazer que adota formas de anti-lazer no conceito já expresso por Marcelino, como a boemia, as baladas, as festas “ raves” o uso abusivo de álcool e drogas.
5.a.O Anti-lazer
Temos uma crise de vínculos inegável no mundo atual.
No mundo dos produtos descartáveis, onde tudo é vivido de forma apressada, o estabelecimento de vínculos afetivos nas relações interpessoais é superficial, efêmero, inconstante e descartável; e a nível das relações de trabalho não raro canibalístico marcado por diversas situações de assédio moral.
A necessidade de alívio se torna cada vez mais complexa e paradoxal, pois os sentimentos advindos do stress, da sobrecarga de responsabilidades e exigências são vivenciado como algo inevitável. Mas como obter alívio?
Se sobrepondo à necessidade de alívio existe o constante sentimento de vazio descrito acima, que é vivenciado, mas nem sempre compreendido.
Para o preenchimento deste vazio, os indivíduos se lançam a uma busca contínua e frustrante de novas experiências, de novas e “ excitantes” formas de lazer; sem compreenderem que o vazio não está no mundo exterior com suas pesadas obrigações e desafios, mas em si próprios.
Friedman aponta as vulnerabilidades e perigos destas condições( FRIEDMAN,1972 ):
Algumas vezes tende a desorganizar sua vida fora do trabalho, a estimular tendênicas agressivas por meio das quais a personalidade procura se afirmar de maneira brutal, através do uso de excitantes de toda a espécie, dos jogos de azar e de apostas, do álcool, de hábitos ou impulsos de consumo conspícuo, de divertimentos brutais e de espetáculos de massa pretensamente “ esportivos” ou “ artísticos” , tais como lutas, filmes que ressaltam a agressividade, medo e o crime
Toda uma indústria de lazer se organiza para esses consumidores ávidos por alívio das tensões do mundo atual. Na opinião de Rolim ( ROLIM, 1989 ) estas formas de lazer incidem em um ser humano ausente de valores, ela só pode desumanizar as pessoas, não propiciando nenhum benefício. Algumas destas formas de lazer proporcionados pela “ industria do lazer ” tem como finalidade “ anestesiar ” as massas – tal pode ser visto no fenômeno esportivo do futebol. “A diversão “manipulativa e massificada” despersonaliza o indivíduo, ele confunde o seu “eu” derrotado e humilhado pelo “ eu coletivo” de seu time de futebol.
Outras formas de lazer proporcionados pela indústria do lazer não visam o aspecto de manipulação, mas o lucro através de seus produtos. Temos vários exemplos destas indústrias de entretenimento que foram sendo desenvolvidas no período pós-revolução industrial: a indústria fonográfica, a indústria cinematográfica, o “show business”, enormes complexos de entretenimento com verdadeiras “cidades de lazer ” como os complexos Disney´s . Obviamente, se uma indústria, qualquer que seja, não auferir lucros será inviável; desta forma é natural que a indústria do lazer tenha lucros. Deve-se considerar ainda que a Indústria do lazer em todo o mundo emprega um número inimaginável de pessoas e vários de seus produtos , além do lucro, se enquadram dentro dos conceitos éticos de lazer: fazer uma boa ocupação do tempo livre ou de descanso, promover o desenvolvimento de potencialidades individuais, ou seja: proporcionar repouso, diversão e enriquecimento intelectual ( segundo a proposição de Dumazedier ).
Autores como o americano Mandel ( MANDEL M , 1995 ) apontam não somente o crescimento da indústria do entretenimento, mas tecem algumas considerações sobre alguns riscos econômicos associados a esse crescimento excessivo.
5.b. modalidades de lazer
Existem diversas modalidades de lazer, como foi visto no texto que aborda o lazer nas nações indígenas.
1.O exercício físico e os esportes
Continuam sendo umas das práticas mais saudáveis de lazer : estimulam a circulação, liberam endorfina ( substância envolvida na diminuição da dor e aumento do prazer ), fortalecem a parte osteo-muscular, propiciam aumento na sociabilização, diminuem as tensões advindas do excesso de trabalho – através da prática de jogos e esportes saudáveis. Infelizmente são poucos os habituais do esporte e da prática constante de exercícios físicos. Num trabalho realizado por Camargo ( CAMARGO , 1989) e somente 8% da população pratica esporte, e porcentagem semelhante se aplica a quem pratica exercício físicos com regularidade.
Um importante estudo conduzido por Paffenbarger em Harvard , que acompanhou aproximadamente 16 mil estudantes por mais de 22 anos seguidos, mostrou que aqueles que interromperam a pratica de exercícios físicos tiveram 35% de aumento de risco de morte em relação aos que não pararam o exercício físico .
Vários são os mecanismos envolvidos na diminuição do risco de doenças cardio-vasculares relacionadas ao exercício físico, entre elas a melhora da microcirculação, a formação de circuitos circulatórios colaterais, aumento das células linfocitárias T e redução do processo inflamatório endotelial associado ao depósito de material oxidativo.